quinta-feira, setembro 27, 2007

"Interludio musícal"
a.g.anacleto



Não ser
Ah! arrancar às carnes laceradas
Seu mísero segredo de consciência!
Ah! poder ser apenas florescência
De astros em puras noites deslumbradas!
Ser nostálgico choupo ao entardecer,
De ramos graves, plácidos, absortos
Na mágica tarefa de viver!
...
Quem nos deu asas para andar de rastos?
Quem nos deu olhos para ver os astros
- Sem nos dar braços para os alcançar?!...

Florbela Espanca

sexta-feira, setembro 21, 2007

"casaca de mestre"
a.g.anacleto


Bebemos o café com creme
na leitaria.

Falaste sem alegria, em

qualquer coisa sem importancia.

Batias distraidamente

com os dedos no vidro frio da mesa.

Depois foste-te embora, numa pressa
vaga, sem destino.

Vi-te partir, amigo

cabisbaixo,

carregando o peso do mundo,

o peso do nada.

Mais tarde, no jardim da matriz,

pisaste os narcisos para afagar a

cabeça de um cão vadio.


DoraM

segunda-feira, setembro 17, 2007


"Gonçalim"
a.g. Anacleto

Se gostasses de mim
ai,se gostasses,
se gostasses de mim
-serenim-
era tudo alecrim.
.
Se gostasses de mim
- mirandolim_
eu morria. Morria?
de goso no sem-fim.
.
E gostaste. Gostavas?
de mim.
Era tão sem aviso,
era tão sem propósito
-trancelim-
e eu saltava, delfim.
.
E dançava,tchim,
sem notar, ai de mim:
Não era tanto assim.
Gonçalim
Carlos Drummond de Andrade


terça-feira, setembro 11, 2007

" Passeio de Domingo"
a.g.anacleto
Cheiram a rosas, as manhãs de primavera
Nos passeios que fazemos, meu amor.
Muros que lembram nuvens suspensas,
De branco e carmim em flor.
Que boas são essas horas de promessas,
Quisera perpetua-las sempre assim!
Pudera eu parar o tempo, pudera....
Ou então vive-lo numa assentada.
Saborea-lo em ti.
DoraM

domingo, setembro 09, 2007

"Casco do navio"
a.g.anacleto

Roteiro da vida

.

Enfim, levantou ferro.

Com os lenços adeus, vai partir o navio.

Longe das pedras más do meu desterro,

Ondas do azul oceano, submergi-o.

.

Que eu, desde a partida,

Não sei onde vou.

Roteiro da vida,

Quem é que o traçou?

.

Nalguma rocha ignota

Se vai despedaçar, com violento fragor...

Mareante, deixa as cartas da derrota.

Maquinista, dá mais força no vapor.

.

Nem sei de onde venho,

Que azar me fadou?

Das mágoas que tenho,

Os ais porque os dou...

....

Camilo Pessanha

sábado, setembro 08, 2007

"Bolas de Sonho"
a.g.anacleto

Qualquer dia, Rose
Qualquer dia...
qualquer dia digo-te que não volto
e tu ficas triste, Rose.
Qualquer dia sento-me no chão,
debaixo do cipreste junto ao muro.
Espero pela camioneta
que vem de Sidney uma vez por semana
e rumo às montanhas.
Depois, percorro o
Yellowstone River numa jangada
afastando-me cada vez mais
deste pó corrosivo que me explora as entranhas.

E nessa altura, tu choras, Rose.
Nessa altura sentirás saudades dos meus braços, Rose
Dos meus abraços.
DoraM